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Compreendendo um pouco mais as Mandalas

  • Foto do escritor: Margareth Osório
    Margareth Osório
  • 11 de set. de 2017
  • 9 min de leitura

Desde muito cedo o ser humano dispôs seus espaços e sua vida em torno da forma circular. Ele percebeu, inconscientemente, a força organizadora desta forma arquetípica e naturalmente a utilizava na criação do seu mundo, tanto nas suas Rodas de Conselho, como nas danças rituais e até no formato de suas casas e aldeias

O motivo do círculo aparece muito cedo na história da humanidade. Antigos entalhes rupestres na África, Europa e América do Norte fazem uso do círculo, da espiral e desenhos semelhantes, sendo a mandala mais antiga conhecida da era paleolítica, a roda do sol, descoberta na Rodésia.

Já nesta época os seres humanos primitivos se orientavam subindo uma montanha e olhando ao redor, a terra e o céu, tomando a si como centro de referência, e assim criavam um mapa através dos quatro pontos cardeais, possibilitando sua locomoção, busca de alimento, condições básicas de sobrevivência.

Há um momento na evolução da vida em que o ser humano olha o céu e a abóbada celeste e se deslumbra com esta tremenda presença que se torna uma manifestação do divino.

Quando a humanidade resolve assentar-se e plantar, tem nascimento no planeta um tipo especial de relação com a terra. Nascem desta forma os povos agrícolas que estabelecem uma relação de reverência com esta “Mãe Sagrada” por ser dela que vem seu sustento. Os cultos à Mãe Terra e todos os seus desdobramentos como a sacralidade da água, das pedras, das sementes e das plantas mostram uma relação de profunda gratidão a esta mãe que permite a manutenção de sua existência, e sua relação com a Natureza assume uma dimensão de hierofania, como manifestação da sacralidade cósmica.

A vida se torna a manifestação de um poder incompreensível, mas profundo que coloca o ser humano em um lugar de reverência a este mistério.

Nesta relação com a vida e a Natureza, o ser humano primitivo se depara com a manifestação do sagrado, que lhe permite perceber a não homogeneidade do espaço, que lhe faz sentir uma diferenciação para algum lugar diferentemente de outro, que lhe permite atribuir significado e vinculação com algum lugar em especial.

É com esta relação com os espaços que surge, numa revelação, um “ponto fixo” absoluto, um espaço diferente por suas características especiais, um Centro, ao redor do qual ele vai se estabelecer e se instalar e fundar o mundo, o seu mundo.

Este espaço sagrado que se estabelece ao redor de um centro, de um “Axis mundi”, esta mandala sagrada, é seu território especial, protegido e abençoado pelos deuses. Este espaço sagrado pressupõe uma porta para o alto, pois é do alto que ele se manifesta, de uma revelação que vem do lugar onde moram os deuses. Esta porta é uma passagem, um limiar por onde os deuses podem descer a Terra e o ser humano pode subir simbolicamente ao Céu.

Sendo este o Centro, um lugar sagrado, aberto para o alto, ponto de passagem de um modo de ser a outro, funda o mundo no sentido de que fixa os limites. A partir deste lugar determina as quatro direções por onde seu mundo vai se estender, assegura a consagração do seu mundo como sagrado e protegido pelos deuses, e assim estabelece a ordem cósmica.

Para um grupo de nômades caçadores-coletores da Austrália, da tradição dos achilpa, “o Ser divino Numbakula moldou o poste sagrado e, depois de o ter ungido com sangue, trepou por ele e desapareceu no Céu. Este poste representa um eixo cósmico, pois foi à volta dele que o território se tornou habitável, transformou-se num mundo.”1

Este povo nômade carrega sempre consigo este objeto sagrado, manifestado pelo seu Deus, este poste que representa o eixo cósmico, e assim, embora se desloquem continuamente, o “seu mundo” que eles fundam onde estiverem, está sempre com eles, o que permite que eles estejam sempre em contato com o Céu.

Muitos são os círculos de pedra espalhados no planeta e até hoje há uma polêmica a respeito de seu uso. Para alguns eram locais de ritos iniciáticos, para outros observatórios astronômicos.

Dentro da tradição celta, muitos círculos de pedra eram construídos onde as linhas de energia subterrânea da Terra convergiam em um ponto, criando um espaço potencial de transformação e por isso eram considerados sagrados. Este lugar, o ponto central, era o lugar de emanação da Unidade, o ponto de irradiação e de convergência, que assim cumpria o papel organizador naqueles que ali ritualizavam.

Quando nos estabelecemos em um lugar e exercemos o ato de transformar ritualmente este lugar de comum em sagrado, ou seja, de lhe conferir o valor de imago mundi, simbolicamente assentamos um Axis mundi em seu centro, um Pilar Cósmico, que liga o Céu e a Terra, dando lugar à ordem cósmica em lugar do caos.

No budismo, por exemplo, ela é considerada um diagrama do cosmos, um lugar sagrado que, pela sua presença no mundo, relembra, a quem a olha, da imanência da santidade no Universo e o potencial que ela abriga por si só.

Desta forma fica fácil compreender porque muitos povos utilizavam o espaço circular para suas cerimônias de celebração da vida e para seus rituais de cura, como os Navajos. Para eles a doença é a perda de contato com o poder organizador do Universo, sendo assim, desenham uma mandala de areia no chão e, colocando seus doentes dentro dela, desta forma lhes devolvem a ordem e a saúde.

Uma definição básica de mandala pode ser: uma estrutura integrada organizada ao redor de um centro unificador ou imanente.

Mandala, em sânscrito, quer dizer centro, circunferência, círculo mágico.

A mandala é a primeira forma manifesta que irradia, do ponto central, o círculo que envolve a expressão criativa das mais variadas formas que emergem no universo físico e podemos concebê-la como uma porta entre mundos sendo, ao mesmo tempo, o Universo, em toda sua complexidade, e o próprio ser humano. Ela é a representação gráfica de uma faixa frequencial, na conexão céu e terra, ao mesmo tempo que contém toda as frequências e possibilidades criadoras do Universo, trazendo em si a ordem inerente e a potência da inteireza do ser nesta possibilidade de conexão com o Universo.

Como instrumento de realinhamento com a Unidade, torna-se um potente lugar e instrumento de meditação, síntese e transformação, um lugar onde a aprendizagem e a cura acontecem.

O centro da mandala, onde quer que esteja e quantas dimensões tenha, mesmo que seja apenas uma presença conceitual, é tanto um ponto de início como de fim, pois início e fim são locais e tempos teóricos e relativos, impossíveis de precisar. Este ponto que não se pode definir é o lugar de onde a mandala emerge. Ele também é feito daquilo que é o centro do tempo, o agora, tempo de onde todos os momentos futuros surgem.

Todos os planetas do Universo se organizam ao redor de um núcleo, assim como os átomos e nosso sistema solar ao redor do sol. Podemos ver mandalas indo e vindo todo o tempo nesta intrincada teia cósmica que nos sustenta.

Naturalmente surge a grande pergunta: mas porque é o círculo este símbolo que tem tamanha representatividade em tantas culturas ao redor de todo o nosso planeta?

Comecemos onde tudo começa na nossa vida, na célula.

O óvulo de onde a vida surge é uma célula esférica com um núcleo no seu centro e, que ao se unir a um espermatozoide, forma o que chamamos de célula-ovo, uma esfera com um núcleo no seu interior.

Neste momento, a vida inicia seu movimento de criação pela multiplicação celular que vai ocorrendo em padrões sucessivos em uma progressão geométrica. A célula-ovo se transforma em duas, quatro, oito e assim por diante, sempre respeitando o padrão esférico, até que comece a diferenciação celular.

Este pequeno embrião se fixa na parede uterina de onde nasce uma bolsa esférica, cheia d’água onde o bebê, que é seu centro, vai se desenvolver e diferenciar.

Após o tempo necessário de maturação intrauterina, o bebê se encontra pronto para sair da sua caverna matriz para conhecer o mundo que vai lhe acolher, pelo tempo que viver. Em um movimento espiral ele desce e se encaixa para ficar frente à porta de saída que é um cilindro, a vagina de sua mãe, o que faz com que a primeira imagem que receba na sua retina, ao nascer, seja de uma luz circular. Percebamos que todo o movimento que impregna o ser desde sua concepção ao momento do nascimento está vinculado a este arquétipo primordial que formata nossa existência.

Acolhido por sua mãe, ele recebe seu primeiro alimento através de uma mama que tem um formato esférico, com uma aréola e um mamilo, formando uma mandala nutridora fundamental para a sua vida.

Embalado ao colo de sua mãe, duas belas mandalas de carinho e afeição lhe dão sua primeira experiência de conexão afetiva pelo olhar.

Seus olhos começam a amadurecer e olhar mais longe, o céu, o sol, a lua, o horizonte: referências circulares permanentes na nossa existência.

Nossa origem, nossa história, aquilo que o nosso inconsciente sabe de nós, guarda esta memória da forma original, da forma presente e permanente que nos dá referência.

Do átomo ao ser humano, à vida na Terra, ao nosso sistema solar, vamos nos organizando através deste modelo concêntrico, elíptico, circular.

O Universo, composto por tantas galáxias em forma espiral que partem de um centro organizador também, hoje, se pressupõe seja um espaço esférico.

A mandala como manifestação da unidade cósmica pode ser vista como uma entidade que se desenvolve a partir do vazio, deste ponto original que é um vazio potencial de onde surge a primeira forma, o círculo, e todas as outras expressões criativas numa multiplicidade de formas criando padrões e estruturas, manifestando o universo físico da vida, trazendo a unidade cósmica à Terra.

O tempo “linear” de passado, presente e futuro, esta referência criada por nós no universo físico, é, verdadeiramente, construída de forma “circular”, haja vista a contagem do tempo ser feita em várias mandalas temporais, como a contagem dos minutos que se repetem a cada hora, as horas nos dias, os ciclos do sol e da lua, as estações, tempo circular numa referência linear.

Na nossa trajetória psíquica também vivemos pequenos e grandes ciclos de construção humana que nos dão referência como: a infância, a adolescência, a vida adulta, e dentro de cada fase outros pequenos ciclos como a escola, a faculdade, o trabalho e a aposentadoria, o casamento, a paternidade ou maternidade.

Conscientes ou não, nossa vida tem uma base constante nesta forma circular que nos referencia em ciclos dentro de ciclos de forma interminável.

Nas tradições iniciáticas, a mandala foi empregada como um instrumento ritualístico de meditação para o desenvolvimento da consciência. Através da visualização da mandala, o meditante ampliava a sua percepção e assim podia perceber a ordem infinita presente no universo e a unidade significativa entre todas as coisas.

A contemplação da mandala provocava a ultrapassagem dos limites egóicos da percepção, levando a consciência para um nível de frequência mais elevada, no qual é possível a apreensão do transcendente.

A tradição hindu sempre considerou a mandala a verdadeira arte sagrada porque ela reproduz as realidades espirituais e sua irradiação e presença no mundo humano. [...] No budismo japonês elas representam o cosmos espiritual e [...] no budismo tibetano é tanto uma imago mundi quanto um panteon simbólico. (1)

A mandala é simbolicamente o centro divino de convergência para onde a consciência deve se orientar e se focalizar com o objetivo de autotransformação e de cura da divisão e dispersão dos sentidos. Neste sentido, o trabalho de ordem centrípeta corresponde ao movimento das energias que tendem a abandonar a periferia, a consciência da divisão e multiplicidade do ego, e fluir para o centro, para o Self, atingindo o estado de unificação da consciência que promove a harmonia, a saúde e o bem-estar.

As mandalas se tornaram conhecidas e compreendidas no Ocidente graças ao trabalho de Jung. Percebendo a presença delas em vários desenhos e sonhos de seus pacientes, ele abre suas pesquisas sobre o conhecimento contido nas tradições espirituais do Oriente, e lá encontra nas mandalas um poderoso símbolo ordenador da psique.

Mostra-nos a experiência que os mandalas individuais são símbolos ordenadores, razão pela qual se manifestam nos pacientes sobretudo em épocas de desorientação ou de reorientação psíquica. Eles exorcizam e esconjuram, sob a forma de círculos mágicos, as potências anárquicas do mundo obscuro, copiando ou gerando uma ordem que converte o caos em cosmos.2

Tendo ele um potente espírito investigativo inicia um trabalho pessoal, experimental, onde produz uma série de 27 mandalas durante o período de agosto a setembro de 1917. Deste mergulho ele fala: “Todas as manhãs, esboçava num livro de notas um pequeno desenho de forma redonda, uma mandala, que parecia corresponder à minha situação interior. À base dessas imagens podia observar, dia após dia, as transformações psíquicas que se operavam em mim”.3

“A mandala exprime o Si-mesmo, a totalidade da personalidade que, se está tudo bem, é harmoniosa, mas que não permite o autoengano”.4

Meus desenhos de mandalas eram criptogramas que me eram diariamente comunicados acerca do estado do meu “Si-mesmo”.5

[...] O seu motivo básico é a premonição de um centro da personalidade, uma espécie de ponto central no interior da psique, ao qual tudo está relacionado, pelo qual tudo é organizado e que é em si mesmo uma fonte de energia. A energia do ponto central é manifestada na compulsão e no impulso quase irresistível para tornar-se o que se é, exatamente como cada organismo é compelido a assumir a forma que é característica à sua natureza, não importa quais as circunstâncias. Esse centro não é sentido ou pensado como o ego mas, se é que se pode falar assim, como o self. Embora o centro seja representado por um ponto no mais profundo interior, ele é cercado por uma periferia contendo tudo que pertence ao self – os pares de opostos que formam a personalidade total. Essa totalidade compreende a consciência em primeiro lugar, então o inconsciente pessoal e finalmente um segmento indefinidamente grande do inconsciente coletivo, cujos arquétipos são comuns à toda a humanidade.6

Quando criamos uma mandala, geramos um símbolo pessoal que revela quem somos num dado momento, criamos nosso próprio espaço sagrado, um lugar de proteção, um foco para a concentração de nossas energias. Ao expressar nossos conflitos interiores na forma simbólica da mandala, projetamo-los para fora de nós mesmos e podemos experimentar um sentimento de unidade.

REFERÊNCIAS

1. Cavalcanti, Raïssa. Os Símbolos do Centro – a Imagem do Self. São Paulo: Perspectiva, 2008, p. 62.

2. Jung, Carl G. Aion. Estudos sobre o simbolismo do Si-Mesmo em Obras Completas, Petrópolis: Vozes, 1982, v. IX/2, p. 30.

3. _____. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 232.

4. Ibid., p. 233.

5. Ibid., p. 233.

6. _____. Mandala Symbolism. Princeton: Bollingen Series, 634.


 
 
 

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